terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

"Bad Company... bandinha boa..."

 por Luciano Teles

*Dedicado a Guto Ferreira de Oliveira



O Who encerrou o festival Summer of ´74, em 18 de maio de 1974, no estádio do Charlton Athletic Football Club. No evento, de um dia de duração, tocaram Lou Reed, Humble Pie, Bad Company, Lindisfarne e Maggie Bell, nesta ordem, antes da banda de Shepherd´s Bush.

E é um concerto constantemente lembrado pelos fãs, como bem possível de ser trabalhado para lançamento oficial. O próprio Who já lançou partes do show, em VHS/DVD com retrospectiva da carreira, com gravações ao vivo. Mais especificamente, em Thirty Years Of Maximum R&B Live – (VHS-1994/DVD-2001) -, com as músicas Substitute, Drowned, Bell Boy e My Generation Blues.

            

A BBC caprichou na gravação, em pro-shot. Ainda que as imagens de algumas das músicas tenham sido perdidas, existe o áudio completo – com boa qualidade. O bootleg** ainda traz uma entrevista de Pete Townshend, para a BBC.


Como tantos outros, antes da internet, era um show bem difícil de se conseguir. Tanto áudio, quanto vídeo. Depois da grande rede, principalmente da facilidade oferecida pelos blogs especializados em transferência de arquivos e, principalmente, dos torrents, virou figurinha fácil entre os colecionadores. Mas ainda aparecem versões bem interessantes, em CD/DVD. Algumas edições oferecem imagens e áudio dos outros shows do festival, anteriores ao do Who. Abaixo, imagens de algumas das versões que tenho, em DVD e CD:





Já o programa do festival é daquelas peças que podem ser bem caras, por vezes, ou aparecerem por preço bem módico. Colecionismo tem disso. Você passa um tempo sem ver um item. Do nada, aparecem 753 à venda. Uns vendedores podem pedir o preço regular, enquanto outros podem apenas repassar, sem exatamente se preocuparem com o valor. E há os que parecem querer fazer a base financeira de 359 gerações da família, tentando vender apenas um objeto. Enfim. É o mercado.

De qualquer forma, é um programa valorizado. Tanto pelo festival em si, pelo representa para os fãs, quanto pela qualidade do material. Tem um bom texto, boa qualidade de impressão e boas fotos sobre cada banda. Ainda: da mesma forma como acontece com outros produtos, pode vir associado a um ingresso e outros itens curiosos.

 Foi o caso deste exemplar. Além do programa, vinha um ingresso do festival e um outro programa. Que eu demorei para entender do que se tratava. Cheguei até a apelidar de pré-programa. Completamente errado. Porque não era nada relacionado exatamente ao festival. Na verdade, era um programa da partida de 03 de maio de 1974, entre o Charlton Athletic F.C. x Aldershot Town F. C. Ou, simplesmente, Charlton x Aldershot, válida pela 3ª Divisão Inglesa. Os donos da casa venceram por 2x0.

Mas eu simplesmente ignorava o fato dos clubes de diversas modalidades esportivas internacionais produzirem programas para seus jogos. Alguns clubes do Brasil fizeram ou ainda fazem. Estádios, inclusive. Mas, da mesma forma que relativos a shows e festivais, é artigo raro, por aqui. O legal desse programa da partida é que, como podemos ver nas fotos abaixo, ele traz, no anúncio do “Pop Concert”, entre as atrações, o nome de Lou Reed com grafia errada: “Lou Reid”. E, claro, uma coisa da qual eu gosto muito, nesse tipo de publicação: propagandas de estabelecimentos locais. Como mostram as fotos abaixo:



                             



 Foi mais um daqueles lances de pura sorte. Não sei por qual razão, só vi o progama quando faltavam já dois dias para o término do leilão. Nenhum lance. Estranhei. Porque sempre pode aparecer um sujeito sem função na vida, mandar milhões de dinheiros e arrematar os itens. Fiz os cálculos para saber a que horas “o martelo seria batido”. Claro, lógico e evidente que a negociação seria encerrada lá pelas quatro da madrugada. Por que, afinal, haveria de terminar no meu cômodo horário de descanso do almoço?

Era 2013 e a rotina não estava exatamente tranquila. Plantão de 24h em outra cidade me tomava, na verdade, dois dias ou três – dependia de quando viajava, ida e volta. Sei que o leilão terminaria comigo na estrada, no ônibus, voltando para o Rio de Janeiro. O receio de não ter sinal de internet onde eu estivesse era grande.

No fim, dei sorte de, no momento derradeiro, ter sinal suficiente para dar meu lance. Não sem alguns percalços. Acordei alguns passageiros, com o alarme do celular, pedi desculpas, disse que havia esquecido ligado e tudo bem. O vizinho de poltrona reclamou da luminosidade da tela. Reduzi. Pensei em ir ao banheiro. Temi por ser pequeno, praticamente fechado e não conseguir sinal. Fiquei. Cobri o celular. Me cobri todo, na verdade. Pensa num cara tenso...

No final, surpresa das surpresas: fui lance único!!!

Coincidência das coincidências, acabei de ver, no e-mail que utilizo para essas compras, que o programa me foi enviado em 16 de maio de 2013, ou seja, dois dias antes do aniversário do festival.

Passado um bom tempo, somente em 2020 que fui conseguir tirar fotos de todos os programas, organizar, etiquetar e tal. Já tinha postado em grupos de fãs do Who, apenas. Mostrei a alguns amigos, postei no meu perfil do Facebook, fiz álbuns para cada banda e incluí comentários em algumas das fotos. Depois de uns dias, num grupo de Whatsapp, um dos integrantes, olhando a foto da capa do programa de Charlton, manda, sem cerimônia: “Bad Company... É... Bandinha boa...”

Vou repetir...

Depois de uns dias, num grupo de Whatsapp, um dos integrantes, olhando a foto da capa do programa de Charlton, manda, sem cerimônia: “Bad Company... É... Bandinha boa...”

Véi, na boa... a vontade de encerrar a amizade ali, no ato, foi grande. rsrs Como assim, “Bad Company, bandinha boa”?!?! Claro que eu gosto de Bad Company! Mas era um programa do Who, véi... peraê, né, ô...

Aí, me veio a seguinte sequência:

Eu me sacrifico.

Procuro por itens que valham a pena, com preços bons.

Programo alarme.

Fico na torcida para ninguém cobrir meu lance.

Alarme toca em pleno ônibus de viagem.

De madrugada.

Na estrada.

Acorda passageiros.

Peço desculpas.

Fico constrangido.

Um cidadão reclama da luminosidade da tela.

Tenho de cobrir o celular, para não iluminar a estrada toda.

Faço orações. Faço mais orações.

Faço promessa para que o sinal de internet não caia. “Senhor, se eu conseguir este, prometo não comprar mais nenhu... Não... Péra... A gente vê outra coisa, Senhor...”

Tenho de dar o lance e contar o atraso do sinal, por conta da minha localização.

Morro por dois ou três segundos, até saber se fui o ganhador, ou não.

Penso na raridade (de então) do programa e dos itens que estão no pacote.

Penso sobre como o que achei estava acessível (“sério que vou perder logo esse...?”)

Consigo comprar.

Pago.

Conto os dias para o vendedor postar.

Conto os dias para receber.

Recebo.

Finalmente fotografo.

Mostro no nosso grupo de Whatsapp, só com roqueiro raiz.

Tudo para quê? Para quê?

Tudo isso para quê?!?!?!?

Só para um dos membros, o Guto, o puto do Guto!!!, a quem é dedicado este post, de forma prosaica, mandar:

“É... Bad Company... É... Bandinha boa...”

Se isso não for razão para processar alguém, por crime lesa-pátria, então eu não sei o que pode ser... rsrsrsrs

*Guto é um camarada de grupos de Fórmula 1, no Facebook, que aniversaria amanhã, 02 de fevereiro. Parece não estar muito bem de saúde. Peço orações por ele, aos caros leitores. Não estava nos planos, escrever sobre este festival e o episódio “bandinha boa” rs, mas resolvi antecipar e postar, como um presente de aniversário e boas vibrações. Parabéns, Guto!

**Bootleg é todo registro em mídia real, ou virtual (em tempos de torrentes etc), de gravações de estúdio e ao vivo que não tenham sido lançadas oficialmente. Mas que, de alguma forma, alguém fez vir a público. Não se trata de gravação pirata, como conhecemos, por não ser cópia de material oficial. Mas já recebeu tal denominação, aqui, no Brasil. Quando a pirataria tomou as ruas, de forma ampla, geral e irrestrita, paramos de chamar bootleg de pirata. Ficou bootleg, mesmo.



CURIOSIDADES SOBRE O FESTIVAL SUMMER OF ’74:

O festival foi realizado no estádio do Charlton Athletic F. C., em 18 de maio de 1974, um dia antes do aniversário do guitarrista e principal compositor do Who, Pete Townshend (1945). O vídeo do show mostra a chegada dele ao estádio. Ao invés de limousines, vans, seguranças mil, assessores etc etc, ele simplesmente chega no mais comum dos carros, no banco do carona, desce, fala algo ao motorista, coloca o casaco nas costas e entra no estádio. Como qualquer mortal. E sem ser absolutamente incomodado. Outros tempos.





Momentos antes da banda ir para o palco, o baixista, John Entwistle, me saca um pente e arruma o cabelo, usando o baixo, devidamente lustrado, como espelho. De onde ele tirou o pente, não sei. Ron Wood (ainda no Faces) e Keith Richards (Rolling Stones) estavam no backstage e acompanharam a banda até o palco.

Dois anos depois, em 31 de maio de 1976, no mesmo estádio do Charlton, o Who bateria o recorde de banda a tocar em mais alto volume no mundo, com som a 126dB, segundo o Guinness. Acima de 85dB já é um valor considerado prejudicial à audição. O Who sempre tocou muito, muito alto. Oficialmente, o recorde cairia em 1984, com o Manowar tocando a 129,5dB.

Voltando ao show de 1974, um relato interessante, do amigo Cristiano Radtke: “Estive na estação Charlton, parada para outro trem, provavelmente. Fiz questão de tirar uma foto lá justamente por lembrar desse show, de 74”.



Ainda sobre Charlton 74: O Who queria tocar em grandes locais ao ar livre, na área de Londres. Escolheu Charlton, segundo Townshend, por causa da boa acústica do lugar e da boa visibilidade do palco. Em entrevistas, entretanto, admitiu que havia bebido além do limite e não gostava da performance. O que pode ser uma razão para um não lançamento oficial completo. Na verdade, pode haver uma ou outra coisa, um erro, aqui e ali, mas é uma das melhores apresentações da banda. Inclusive, uma das melhores jams do Who se dá neste show, com o improviso de Let´s See Action, entre Naked Eye e My Generation Blues. O show contou com algumas músicas dos anos 60, como I´m A Boy e Tatoo. John Entwistle cantou Boris The Spider. E voltaram a Young Man Blues.



Meu primeiro contato com esse show se deu com o Luiz Antônio Mello, o LAM, eterno co-fundador da Rádio Fluminense FM, grande fã e divulgador do Who no Brasil. Além de seu excelente blog sobre a banda, na época, também tinha um programa num canal a cabo, sobre rock. E mostrou, deste show, nada mais, nada menos do que Bell Boy (LP Quadrophenia), que tem participação impagável do baterista, Keith Moon, nos vocais. Me lembro até hoje de estar na casa de uma tia, quando achei esse canal e, coincidência das coincidências, ser o dia e horário do programa, e ele mostrar essa música, gravada nesse show. Claro: ter o show virou meta de vida. O Who não tem tantos shows registrados em vídeo.





Existe um site sobre os festivais de rock da Inglaterra. Cobre desde 1965 até 1990. É uma excelente fonte de informações e o dono, Dave, é um cara muito solícito. Já troquei alguns e-mails com ele, que sempre me esclareceu dúvidas. Se você se interessa por shows de festivais desses anos, este é o site. Abaixo, o link:


Sobre o Summer Of ’74, a página é esta:


Mais uma vez, muito obrigado pela leitura!

Grande abraço!

E até a próxima!


ATUALIZAÇÃO: NOTA DE FALECIMENTO

Pessoal, infelizmente, enquanto terminava de escrever este texto e o postava, o amigo Guto já repousava em seu sono eterno. Ele se foi em 30 de janeiro. Dois dias antes de completar 56 anos. Eu não sabia. Tentamos contato pelo Messenger e Whatsapp. Sem resposta. Só no dia 02 de fevereiro, que seu filho Daniel, num ato de gentileza e superação, teve coragem para ver as coisas do pai, conforme me relatou, em mensagem, enviada neste dia. Agradeço pelas orações enviadas. Tenho certeza de que todas chegaram até o Guto, num lugar melhor. Perdemos um grande fotógrafo, que entendia muito de automobilismo e amava bandas clássicas de rock, com gosto musical apurado e sempre com observações pertinentes. Perdemos os áudios de sete, oito minutos. Perdemos seus inúmeros causos. O Fluminense perdeu um torcedor apaixonado. Perdemos, perdemos, perdemos... Acima de tudo, perdemos um cara de um coração do tamanho do mundo, como bem disse Fábio Montcord, parceiro de grupos de automobilismo e também roqueiro e fotógrafo dos muito bons. E que me alertou sobre o estado de saúde do Guto.

Descanse em Paz, Guto. Muito obrigado por ter participado de nossa história e por nos ter permitido participar da sua. 🙏🙏🙏

⭐02/02/1966 - †30/01/2022

4 comentários:

  1. História maravilhosa, sou suspeito pois amo os 2, The Who e Bad Company. E Guto onde estiver, tenho certeza que curtiu essa história.

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  2. Ainda estou digerindo tudo, parece estranho que nunca mais vou receber os quase infinitos áudios do Guto e no final aquela expressão de sempre dele "vamos que vamo, valeu"

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    1. É, véi... está difícil... Mas sigamos. Ele gostaria que seguíssemos em frente.

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