domingo, 6 de fevereiro de 2022

"Quando O Som Bate No Peito" - e é traduzido em palavras

   por Luciano Teles













Para muitos de nós, o Orkut está para as telas de computador, assim como as pinturas rupestres estão para as cavernas. Ainda que não tenha sido a primeira rede social a aparecer, a memória emotiva que a lembrança daquela tela azul desperta, naqueles que dela participaram, é implacável. E sempre temos vontade de retornar no tempo e ver mais do que já sabemos. Não só pela funcionalidade do Orkut. Muitos dos amigos virtuais, que conhecemos nas comunidades, acabaram migrando para a vida real. É engraçado: mesmo que não os conheçamos pessoalmente, os recursos de áudio e vídeo-chamadas, das redes atuais, nos aproximam muito mais do que letras digitadas de outrora.

Com isso, amizades virtuais se tornam reais. E eu me considero um felizardo, por ter localizado e ter sido encontrado por vários amigos orkutianos. Pessoas com quem a afinidade vai além do assunto de uma comunidade: envolve a vida. Entre essas pessoas, está Márcio Grings. Repórter musical, pesquisador, escritor (nove livros publicados), músico e produtor cultural, o gaúcho de Santa Maria é do tipo observador inquieto. Não passa pelo ambiente sem registrar os detalhes. Quanto mais ambientes, melhor. Principalmente se forem shows de música. Grings aproveitou o tempo livre de um ano atípico, 2020, quando não aconteceram shows, e reuniu toda a carga de emoção e informação das resenhas de 34 apresentações que cobriu. Assim nasceu o livro Quando O Som Bate No Peito (editora Memorabilia, 2021). Os textos abrangem 21 anos de coberturas (1998-2019), com shows de blues e das mais variadas vertentes do rock e do pop, no cardápio: Wee Willie Walker, Bob Dylan, The Who e Rolling Stones, além de Queen + Adam Lambert, Buddy Guy e outros. Melhor do que eu listar, é você ver as imagens do índice e de algumas páginas do livro (este pode ser adquirido, com frete grátis, no hotsite ).

Aliás, as fotos e a diagramação são capítulos à parte. Das melhores que podemos ver, em um livro sobre música. Anos 80. Revista BIZZ. Tudo isso explode em nossos olhos. Estão espalhadas pelo texto. Créditos nas próprias fotos. Este humilde que vos escreve foi honrado com o convite para escrever o posfácio, que reproduzo abaixo. Espero não ter feito feio. Da mesma forma que na entrevista que fiz com Grings – depois do posfácio. Por e-mails e mensagens de áudio e texto, fui elucidando dúvidas próprias, assim como tentei mostrar o máximo possível da obra ao leitor.

Em tempo: Este trabalho me reuniu a outro amigo de tempos orkutianos, Cristiano Radtke. Pessoa da mais alta qualidade, respeitado fã dos Rolling Stones, que revisou o livro. É praticamente um historiador. Sabe de detalhes gerais e de gravações, que poucos conhecem. É outro com quem costumo bater papo frequentemente. Hoje em dia, muito mais sobre a vida e os significados da música em nossos tempos, do que sobre rock, Stones e afins, apenas.

POSFÁCIO

QUANDO O SOM BATE NO PEITO E A MENTE ESTÁ ABERTA

Por Luciano Teles 

Uma das melhores coisas de se ler muito sobre música é perceber que sempre se pode aprender mais. É disso que trata “Quando O Som Bate No Peito”. Partindo dessa premissa, Márcio Grings mostra que não apenas foi aos shows — ele esteve presente com corpo, alma e toda memória afetiva que podia carregar. Claro que milhares de outros fãs também compareceram com a mesma disposição. A arte de colocar tudo em palavras, porém, é para poucos. E Grings faz parte do seleto grupo que tão bem cumpre tal tarefa. Dentro desse pensamento, mesmo que você tenha ido às apresentações listadas no sumário, sempre há um detalhe que nos escapa. Podemos levar em conta o fato de que a memória insiste em falhar, apagando imagens que gostaríamos tanto de manter em nossas retinas tão fatigadas, como diria Drummond. O livro pode até ajudar a recuperar esses frames, assim como o belíssimo álbum de fotos também auxilia nesse resgate.

Contudo, há um detalhe curioso, a respeito de saber de outra visão sobre um evento ao qual você compareceu: e cito os shows de Eric Clapton, Rolling Stones e The Who. Eu os vi aqui, no Rio de Janeiro. Mas é óbvio que foram shows diferentes, apesar das repetições do setlist em grande parte da turnê. Pois foram essas diferenças que me fizeram gostar de ler sobre os concertos. Eu fui, eu vi, eu sei a dinâmica das apresentações. De todo o modo, é bom saber das opiniões de alguém que também foi, mas em outra cidade. Assim, eu fico imaginando as cenas descritas por Grings. Enfim, “Quando O Som Bate No Peito” não é um livro de matérias jornalísticas, aquelas que cumprem a tarefa de relatar um show dentro dos limites de uma notícia. É um livro para se ler aos poucos, quase que tateando os cenários descritos por Grings, para poder se deslocar aos locais e sentir a mesma atmosfera por ele descrita. Um texto por dia. Com a mente aberta. A cada dia, uma nova experiência.

ENTREVISTA COM MÁRCIO GRINGS

Por Luciano Teles

1- Por que reunir as resenhas? Alguma inspiração de outra obra semelhante?
Talvez seja uma espécie de obsessão, mas sempre tive esse DNA de registrar minhas experiências. Eu próprio, quando não o faço, quando não escrevo sobre o que foi vivido, esqueço... as memórias se esfacelam, se partem. Por isso, como documento memorial, acho importante esse registro. Não apenas com imagens e fotografias, mas com texto, visões de um repórter em primeira pessoa. É o que tento fazer com o livro. Acho que a inspiração vem de fora, do jornalismo musical norte-americano e britânico, mestres em preservar suas histórias, tanto em vídeo quanto em livros e imagens.




2- No livro, você diz que releu as resenhas, claro. Também assistiu vídeos, leu livros etc. Houve alguma modificação significativa em algum texto?
Sério: mudei quase tudo. Não no sentido de dourar a pílula, de tentar algum requinte literário. Acredito que fui além dessas meras preocupações. Na verdade, isoladamente, as resenhas funcionavam, mas quando as reuni, no sentido de obra, conjunto de escritos, havia muitas repetições e impressões semelhantes nas descrições. A voz original foi mantida, mas reescrevi preâmbulos, adicionei informações, notas de rodapé, subtraí excessos, e fiz uma revisão no sentido de melhorar a experiência para o leitor. Para essa jornada contei com o auxílio de um irmão de som, Cristiano Radtke, que fez o papel de advogado do diabo nessa função. Discutimos muito sobre os textos e várias de suas visões, toques e dicas estão em “Quando o Som Bate no Peito”.

3- Deixou algum como estava, mas que não escreveria da mesma forma, agora?
Vamos dizer que muitos estão bem semelhantes aos originais, mas nenhum deles ficou exatamente como foi publicado em www.gringstours.com.br, geralmente escritos horas depois de ter visto o espetáculo resenhado.

4- Mas você costuma reler o que escreve?
O tempo todo. Sou um adepto da reescrita. Acredito que sempre há o que ser melhorado, refinado, revisto. O grande desafio é saber a medida exata e quando devemos parar de mexer no texto.
5- E como foi reler os textos?
Tomando por base esses tempos malucos que vivemos, com restrições de podermos estar num show, com centenas ou milhares de pessoas, foi sensacional!! Revivi cada noite dessas. Ficou aquela satisfação de ‘graças aos céus’ estive lá e agora posso contar o que vi e senti...

6- São 34 resenhas, 21 anos de cobertura. A primeira é sobre o show de Bob Dylan, em 1998. O próximo texto, entretanto, data de 2009. Por que o hiato, depois de Dylan? Não foi a nenhum show ou não escreveu sobre nenhum?

O hiato é fácil de explicar. Entre o primeiro show (o último do livro) e o de Willie ‘Big Eyes’ Smith, em 2009, passei por tempos difíceis, e estava fora do circuito do jornalismo musical. Me separei, me refiz, dei um F5 em minha vida. Assisti pouquíssimos shows durante esse período, e perdi muita coisa. Em 2006, fui admitido na Rádio Itapema FM (grupo RBS, afiliada da Rede Globo no RS) e a aventura recomeçou. Resumindo: entre 1998 e 2006, me envolvi em uma série de outros trabalhos, sem ter condições para cobrir eventos apropriadamente. Com o ingresso na rádio Itapema, novamente adentrei no circo.

7- Como se deu a escolha das fotos?
Grande parte do material fotográfico foi coletado das colaborações de fotógrafos credenciados por mim, com cessão de direitos para o livro. Muitos dos fotógrafos são amigos, parceiros de muitas coberturas. Outra parte veio de veículos de imprensa, no caso no Jornal Zero Hora, os direitos de imagem foram cedidos pelos fotógrafos e pelo próprio jornal. E vamos lá, livro falando de música sem imagens seria um tiro no pé, não acha? “Quando o Som bate no Peito” é um livro de música para quem gosta de música, e como um bom álbum de imagens, está repleto de figurinhas que complementam o caldo do texto.

8 - Devo confessar que, antes de ler o Prólogo, escrito por você, só em folhear o livro, já me veio toda a referência à literatura musical e de HQs dos anos 80, principalmente a revista Bizz, ali citada. Como foi o processo de elaboração da arte gráfica e da diagramação? Teve essa intenção, de remeter aos 80? 
Sabe, caras como nós, na faixa dos 50, tivemos a Bizz como farol naqueles tempos. Muito do que sabíamos vinha de lá, das páginas da revista. Essa intenção de rechear o livro com imagens, já que eu tinha muitas, passa sim por essa referência, não apenas na simples transposição de fotos para o miolo do livro. A intenção, graficamente falando, que tem a direção de Giovani Faganello, web designer que assina a diagramação do livro, foi ampliada e dimensionada para aproximar essa associação – da capa à iconização dos capítulos. Não tem como fugir dessa influência, pelo menos para mim...

9- Em algum desses shows você foi, também, como organizador de excursão. Teve imprevistos?
Muitos... Poderia falar muito tempo sobre isso, hehehe. De todo o modo, faz parte dessas trips ter percalços e desvios de curso. Ônibus que quebra, passageiro que some após o show, alguém que bebe todas e precisa de um auxílio, e tantas outras coisas. Para isso, a partir de um momento tive a companhia de Ana Bittencourt, jornalista e minha sócia nessa empreitada. Essa assessoria e companhia nos trouxe muitas amizades, e graças ao Criador, nunca deixamos de chegar até o local de um evento, assim como todos chegaram são e salvos até sua casa. Costumo dizer que dia de show é feriado nacional no Planeta Rock. Morro de saudades...

10- Como foi cobrir estilos de música tão diferentes, dentro do mesmo conceito de rock?
É sempre um aprendizado. E gosto dessas diferenças, de experimentar outras cores. Cobri shows de Katy Perry, Ed Sherran, Bon Jovi, entre outros (penso num segundo volume do livro), foram experiências muito interessantes. Na Katy Perry, por exemplo, vejo mais como um espetáculo de dança e coreografia, já que não existe uma banda no palco. Enfim, nunca iria num evento desses. Mas fui como repórter. E, após tê-la visto, tive a certeza de ter presenciado uma grande performer. Que, apesar de não se conectar ao meu centro de interesse, é impossível que eu não exalte suas qualidades, como artista.

11- De todos os artistas, quais os 3 preferidos? 
Do livro, falando dos shows que mais me impactaram, certamente Bob Dylan, The Who e Queen + Adam Lambert. Dylan, por ser meu ídolo maior na música. The Who, pelas peculiaridades de um evento em que a banda atuou como numa final de campeonato. E Queen + Adam Lambert, pela surpresa de assistir um vocalista impressionante, além de duas lendas de uma das bandas que mais marcaram minha vida. Pô, mas tem muita coisa que me impactou: McCartney, Stones, shows de blues, Buddy Guy, poderia fazer uma longa lista...

12- Você teve alguma sensação do tipo "putz, esses caras deveriam ter vindo antes"? Como foi lidar com isso e escrever de forma “isenta”?
Vou te dizer que uma banda que praticamente conheci no palco, o que deveras, é uma baita maneira de sacar um artista ou grupo, foi o Blackberry Smoke. Claro que já tinha conhecimento do trabalho deles, já tinha ouvido diversos sons, mas o impacto de assistir um concerto dos ‘Fumacentos’ num lugar pequeno, como o Opinião, em Porto Alegre, foi arrebatador. Nunca vi Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd e Marshall Tucker Band ao vivo, mas vê-los de perto me aproximou da experiência de sacar uma gema viva do southern rock norte-americano. Acho que eles estão rumo ao topo. Grande grupo, nunca mais deixei de ouvir e hoje sou fã de carteirinha.

13- Quase sempre que esses artistas vêm ao Brasil, tem de ser feito um pacote, incluindo outros países da América do Sul. Não muito diferente do que Queen e Van Halen fizeram, por exemplo. Mas a economia, a reboque da política, tem de ser favorável. Como você vê o cenário futuro, nesses aspectos?
Nebuloso. Qualquer previsão não passa de achismo, ainda mais com o preço do dólar e o consequente desastre financeiro da Argentina, um país fundamental para que as turnês passem por aqui. Acredito que levaremos um tempo para avançarmos até o patamar que estávamos em 2019.

 

14- Você acha que mais cidades do Brasil poderiam ser incluídas em turnês internacionais, além das capitais, a exemplo de Santa Maria? Citaria algum exemplo?
Sinceramente, acredito que não. Vejo essas descentralizações mais como uma iniciativa de produtores culturais e movimentos isolados de algumas cidades fora do eixo, do que algo que se sustente a longo prazo.

15- Parafraseando os Engenheiros do Hawaii, quando você viu que o Rio Grande do Sul já não estava longe demais das capitais, ainda que sempre tenha tido uma cena rock própria bem forte? Quando o RS entrou no roteiro das turnês internacionais?
Isso começou a acontecer gradativamente, muito pela capital gaúcha ser caminho entre Buenos Aires e São Paulo. Houve um momento em que os voos começaram a aterrissar no Aeroporto Salgado Filho, e por vários fatores. Entre eles, a evolução de profissionais locais de produção e o próprio aparelhamento das casas de espetáculo e estádios. Foi um caminho natural de uma cidade, de um estado, que ainda cultua muito o rock and roll.

16- Como está sendo a divulgação do livro?
O Memorabilia Books é um selo independente, pequeno, fora dos grandes circuitos literários. “Quando o Som Bate no Peito” teve repercussões em todo país, e até fora dele, pois saíram algumas matérias também em sites argentinos. O tema é muito universal: música, shows, grandes nomes da música envolvidos. Tudo isso emprestou muita força ao livro, além de minha assessoria, que fez um trabalho excelente espalhando as sementes do livro de norte a sul.
17- Quando você teve a certeza de que o livro deveria ser escrito?
Sempre que escrevia cada resenha, pensava: “um dia quero reunir isso tudo num livro”. Em 2020, quando completei 10 anos de coberturas credenciadas, ao constatar que não faria nenhuma cobertura naquele ano, devido à pandemia, resolvi separar o material e pensar no pacote literário. O edital da Lei Aldir Blanc foi a faísca que colocou fogo em toda a lenha que estava armazenada por vários anos.

18- Os bluesmen que estão no livro se apresentam, muitas vezes, em festivais. Ou seja: não têm uma estrutura só para eles. Como foi a vinda deles, para shows individuais, além dos festivais? Você chegou a pensar nisso?

Aqui no Sul, muito pela atividade do Mississippi Delta Blues Festival, que durante vários anos acontecia em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, formou-se uma espécie de circuito particular do blues. Em comparação, e guardadas as devidas proporções, da mesma forma que artistas que vêm ao Rock in Rio acabam circulando pelo país, bluesman que vem ao MDBF acabam tocando em outras cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e até no Paraná. Em 2019 organizei por aqui, junto ao Plataforma 85 (que fechou as portas, poucas semanas antes da pandemia), um evento que trouxe 11 atrações ao pub, de fevereiro a dezembro daquele ano. Cinco norte-americanos vieram, dois deles estão no livro. Essa iniciativa passa pelos contatos com dois produtores/músicos daqui: Adrian Flores, um argentino, apaixonado por blues, que mora em Navegantes/ SC, e o pianista Luciano Leães, de Porto Alegre. Antes do período pandêmico, estávamos em contato para dar seguimento ao Memorabilia Blues (como foi batizado o projeto), mas daí sabemos o que aconteceu. Aguardemos cenas dos próximos capítulos, assim que voltarmos à normalidade...

19- Sei que você esteve em mais de 100 shows. Por que reuniu 34?
Porque não haveria espaço para todos eles, porque penso num segundo volume. Muita coisa boa ficou de fora. Nessa escolha, tentei contemplar vários públicos.

Márcio Grings. Foto: Pablito Diego

20- Pearl Jam e Bon Jovi ficaram de fora, por exemplo. Alguma razão especial?

Tem todo um lance de fotos, direitos autorais e algumas complicações que tornavam alguns shows mais difíceis do que outros, para colocá-los numa publicação. Que é o caso do Bon Jovi, que, naquele show, não credenciou fotógrafos. Já o Pearl Jam, certamente será destaque num segundo volume.


 21- Por que duas resenhas sobre Dylan?
Bob Dylan é uma referência na minha vida, uma inspiração. Acompanho sua carreira há mais de 35 anos, e simplesmente consumo tudo o que ele faz. Seria impossível deixar de fora algum dos dois shows que vi, o de 1998, no Opinião, ou o de 2012, no Pepsi On Stage. Os dois foram muito especiais. Mesmo que fosse estratégico guardar uma das resenhas para o segundo volume de “Quando o Som Bate no Peito”, não segurei a mão... Acho que ambos os shows compõem interessantes aspectos e momentos de Dylan, um dos rostos do Monte Rushmore da música mundial.

22- Sendo colecionador, não poderia deixar de te perguntar: Seu site tem o nome de GringsMemorabilia (www.gringsmemorabilia.com). O que acha dos itens de memorabilia, que são produzidos em torno desses shows? Ou que os próprios artistas trazem, para seu merchandising?
Ah, nem me fale! Tenho uma coleção de copos, camisetas, CDs, bottons, ingressos, pulseiras, credenciais, recortes de jornais etc. Sempre me vejo um moleque, quando coloco mais um item na prateleira. E vejo que isso tudo, o espírito de amar esse circo e tudo que compõe esses eventos, é uma sensação rejuvenescedora. Lembra de William Miller em “Quase Famosos” roubando cinzeiros e diversas coisas nos hotéis que passavam como o Still Water? Assim como o garoto do filme, eu adoro guardar tudo referente a essas memórias... A começar pela escrita.

23- Houve algum show que você se arrependeu, por não ter ido?
Sempre tem né? São vários, mas sempre que alguém me pergunta isso lembro de dois: Neil Young, no Rock in Rio, em 2001, e Rush, em Porto Alegre, em 2002. Nunca vou me perdoar de não ter ido nesses... Sim, me senti um miserável, o último dos caras.



24- Você conseguiu entrevistas, nesse processo de coberturas? Pretende lançá-las?
Sabe, essa é outra ideia, como aqueles livros da Rolling Stone, só com entrevistas. Mas nesse caso, preciso juntar mais material.

25- Até o início dos anos 90, artistas internacionais chegavam e logo eram entrevistados. Em coletivas ou exclusivas, sempre se tinha material jornalístico produzido aqui. Dos 2000 para cá, isso parece ter acabado. A que você atribui esse fato?

Eu acho que estamos vivendo os últimos dias de uma era. Vejo que a cultura de escrever, falar sobre música, as publicações, os sites, cada vez mais há menos espaço neles para desenrolar um texto. Há mais amplitude para vídeos, imagens. Assim como no futebol, quando hoje não há mais aquele acompanhamento diário dos jornalistas nos treinos, com certos jogadores se tornando inacessíveis, também no rock acontece algo parecido. Muitas vezes apenas os grandes veículos publicam entrevistas exclusivas com os artistas, o que muitas vezes resulta num material sem qualidade e aprofundamento. É aí que entra “Quando o Som Bate no Peito”, pois espero inspirar outros profissionais a publicarem suas experiências em shows. Acredito que a preservação da memória cultural, em textos, deveria ser mais valorizada e utilizada, pois há muito peso na palavra escrita.


FOTÓGRAFOS            

                *Conheça os fotógrafos que colaboraram com o livro — 
Adriana Franciosi
Ana Bittencourt
Camila Gonçalves
Carlos Macedo
Cris Santoro
Ericson Friedrich
Fabiano Dallmeyer
Fábio Codevilla
Fábio Mattos
Gika Oliva 
Isadora Neumann
Juliana Pozzatti
Lauro Alves
Pablito Diego
Rafael Cony
Ton Müller
Yuri Weber 
Zé Carlos de Andrade.

Confira, abaixo, o vídeo da cobertura do show de Buddy Guy (2012) em Porto Alegre — resenha está no livro — na época em que ele estava na rádio Itapema (matérial produzido por Fábio Codevilla).


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

"Bad Company... bandinha boa..."

 por Luciano Teles

*Dedicado a Guto Ferreira de Oliveira



O Who encerrou o festival Summer of ´74, em 18 de maio de 1974, no estádio do Charlton Athletic Football Club. No evento, de um dia de duração, tocaram Lou Reed, Humble Pie, Bad Company, Lindisfarne e Maggie Bell, nesta ordem, antes da banda de Shepherd´s Bush.

E é um concerto constantemente lembrado pelos fãs, como bem possível de ser trabalhado para lançamento oficial. O próprio Who já lançou partes do show, em VHS/DVD com retrospectiva da carreira, com gravações ao vivo. Mais especificamente, em Thirty Years Of Maximum R&B Live – (VHS-1994/DVD-2001) -, com as músicas Substitute, Drowned, Bell Boy e My Generation Blues.

            

A BBC caprichou na gravação, em pro-shot. Ainda que as imagens de algumas das músicas tenham sido perdidas, existe o áudio completo – com boa qualidade. O bootleg** ainda traz uma entrevista de Pete Townshend, para a BBC.


Como tantos outros, antes da internet, era um show bem difícil de se conseguir. Tanto áudio, quanto vídeo. Depois da grande rede, principalmente da facilidade oferecida pelos blogs especializados em transferência de arquivos e, principalmente, dos torrents, virou figurinha fácil entre os colecionadores. Mas ainda aparecem versões bem interessantes, em CD/DVD. Algumas edições oferecem imagens e áudio dos outros shows do festival, anteriores ao do Who. Abaixo, imagens de algumas das versões que tenho, em DVD e CD:





Já o programa do festival é daquelas peças que podem ser bem caras, por vezes, ou aparecerem por preço bem módico. Colecionismo tem disso. Você passa um tempo sem ver um item. Do nada, aparecem 753 à venda. Uns vendedores podem pedir o preço regular, enquanto outros podem apenas repassar, sem exatamente se preocuparem com o valor. E há os que parecem querer fazer a base financeira de 359 gerações da família, tentando vender apenas um objeto. Enfim. É o mercado.

De qualquer forma, é um programa valorizado. Tanto pelo festival em si, pelo representa para os fãs, quanto pela qualidade do material. Tem um bom texto, boa qualidade de impressão e boas fotos sobre cada banda. Ainda: da mesma forma como acontece com outros produtos, pode vir associado a um ingresso e outros itens curiosos.

 Foi o caso deste exemplar. Além do programa, vinha um ingresso do festival e um outro programa. Que eu demorei para entender do que se tratava. Cheguei até a apelidar de pré-programa. Completamente errado. Porque não era nada relacionado exatamente ao festival. Na verdade, era um programa da partida de 03 de maio de 1974, entre o Charlton Athletic F.C. x Aldershot Town F. C. Ou, simplesmente, Charlton x Aldershot, válida pela 3ª Divisão Inglesa. Os donos da casa venceram por 2x0.

Mas eu simplesmente ignorava o fato dos clubes de diversas modalidades esportivas internacionais produzirem programas para seus jogos. Alguns clubes do Brasil fizeram ou ainda fazem. Estádios, inclusive. Mas, da mesma forma que relativos a shows e festivais, é artigo raro, por aqui. O legal desse programa da partida é que, como podemos ver nas fotos abaixo, ele traz, no anúncio do “Pop Concert”, entre as atrações, o nome de Lou Reed com grafia errada: “Lou Reid”. E, claro, uma coisa da qual eu gosto muito, nesse tipo de publicação: propagandas de estabelecimentos locais. Como mostram as fotos abaixo:



                             



 Foi mais um daqueles lances de pura sorte. Não sei por qual razão, só vi o progama quando faltavam já dois dias para o término do leilão. Nenhum lance. Estranhei. Porque sempre pode aparecer um sujeito sem função na vida, mandar milhões de dinheiros e arrematar os itens. Fiz os cálculos para saber a que horas “o martelo seria batido”. Claro, lógico e evidente que a negociação seria encerrada lá pelas quatro da madrugada. Por que, afinal, haveria de terminar no meu cômodo horário de descanso do almoço?

Era 2013 e a rotina não estava exatamente tranquila. Plantão de 24h em outra cidade me tomava, na verdade, dois dias ou três – dependia de quando viajava, ida e volta. Sei que o leilão terminaria comigo na estrada, no ônibus, voltando para o Rio de Janeiro. O receio de não ter sinal de internet onde eu estivesse era grande.

No fim, dei sorte de, no momento derradeiro, ter sinal suficiente para dar meu lance. Não sem alguns percalços. Acordei alguns passageiros, com o alarme do celular, pedi desculpas, disse que havia esquecido ligado e tudo bem. O vizinho de poltrona reclamou da luminosidade da tela. Reduzi. Pensei em ir ao banheiro. Temi por ser pequeno, praticamente fechado e não conseguir sinal. Fiquei. Cobri o celular. Me cobri todo, na verdade. Pensa num cara tenso...

No final, surpresa das surpresas: fui lance único!!!

Coincidência das coincidências, acabei de ver, no e-mail que utilizo para essas compras, que o programa me foi enviado em 16 de maio de 2013, ou seja, dois dias antes do aniversário do festival.

Passado um bom tempo, somente em 2020 que fui conseguir tirar fotos de todos os programas, organizar, etiquetar e tal. Já tinha postado em grupos de fãs do Who, apenas. Mostrei a alguns amigos, postei no meu perfil do Facebook, fiz álbuns para cada banda e incluí comentários em algumas das fotos. Depois de uns dias, num grupo de Whatsapp, um dos integrantes, olhando a foto da capa do programa de Charlton, manda, sem cerimônia: “Bad Company... É... Bandinha boa...”

Vou repetir...

Depois de uns dias, num grupo de Whatsapp, um dos integrantes, olhando a foto da capa do programa de Charlton, manda, sem cerimônia: “Bad Company... É... Bandinha boa...”

Véi, na boa... a vontade de encerrar a amizade ali, no ato, foi grande. rsrs Como assim, “Bad Company, bandinha boa”?!?! Claro que eu gosto de Bad Company! Mas era um programa do Who, véi... peraê, né, ô...

Aí, me veio a seguinte sequência:

Eu me sacrifico.

Procuro por itens que valham a pena, com preços bons.

Programo alarme.

Fico na torcida para ninguém cobrir meu lance.

Alarme toca em pleno ônibus de viagem.

De madrugada.

Na estrada.

Acorda passageiros.

Peço desculpas.

Fico constrangido.

Um cidadão reclama da luminosidade da tela.

Tenho de cobrir o celular, para não iluminar a estrada toda.

Faço orações. Faço mais orações.

Faço promessa para que o sinal de internet não caia. “Senhor, se eu conseguir este, prometo não comprar mais nenhu... Não... Péra... A gente vê outra coisa, Senhor...”

Tenho de dar o lance e contar o atraso do sinal, por conta da minha localização.

Morro por dois ou três segundos, até saber se fui o ganhador, ou não.

Penso na raridade (de então) do programa e dos itens que estão no pacote.

Penso sobre como o que achei estava acessível (“sério que vou perder logo esse...?”)

Consigo comprar.

Pago.

Conto os dias para o vendedor postar.

Conto os dias para receber.

Recebo.

Finalmente fotografo.

Mostro no nosso grupo de Whatsapp, só com roqueiro raiz.

Tudo para quê? Para quê?

Tudo isso para quê?!?!?!?

Só para um dos membros, o Guto, o puto do Guto!!!, a quem é dedicado este post, de forma prosaica, mandar:

“É... Bad Company... É... Bandinha boa...”

Se isso não for razão para processar alguém, por crime lesa-pátria, então eu não sei o que pode ser... rsrsrsrs

*Guto é um camarada de grupos de Fórmula 1, no Facebook, que aniversaria amanhã, 02 de fevereiro. Parece não estar muito bem de saúde. Peço orações por ele, aos caros leitores. Não estava nos planos, escrever sobre este festival e o episódio “bandinha boa” rs, mas resolvi antecipar e postar, como um presente de aniversário e boas vibrações. Parabéns, Guto!

**Bootleg é todo registro em mídia real, ou virtual (em tempos de torrentes etc), de gravações de estúdio e ao vivo que não tenham sido lançadas oficialmente. Mas que, de alguma forma, alguém fez vir a público. Não se trata de gravação pirata, como conhecemos, por não ser cópia de material oficial. Mas já recebeu tal denominação, aqui, no Brasil. Quando a pirataria tomou as ruas, de forma ampla, geral e irrestrita, paramos de chamar bootleg de pirata. Ficou bootleg, mesmo.



CURIOSIDADES SOBRE O FESTIVAL SUMMER OF ’74:

O festival foi realizado no estádio do Charlton Athletic F. C., em 18 de maio de 1974, um dia antes do aniversário do guitarrista e principal compositor do Who, Pete Townshend (1945). O vídeo do show mostra a chegada dele ao estádio. Ao invés de limousines, vans, seguranças mil, assessores etc etc, ele simplesmente chega no mais comum dos carros, no banco do carona, desce, fala algo ao motorista, coloca o casaco nas costas e entra no estádio. Como qualquer mortal. E sem ser absolutamente incomodado. Outros tempos.





Momentos antes da banda ir para o palco, o baixista, John Entwistle, me saca um pente e arruma o cabelo, usando o baixo, devidamente lustrado, como espelho. De onde ele tirou o pente, não sei. Ron Wood (ainda no Faces) e Keith Richards (Rolling Stones) estavam no backstage e acompanharam a banda até o palco.

Dois anos depois, em 31 de maio de 1976, no mesmo estádio do Charlton, o Who bateria o recorde de banda a tocar em mais alto volume no mundo, com som a 126dB, segundo o Guinness. Acima de 85dB já é um valor considerado prejudicial à audição. O Who sempre tocou muito, muito alto. Oficialmente, o recorde cairia em 1984, com o Manowar tocando a 129,5dB.

Voltando ao show de 1974, um relato interessante, do amigo Cristiano Radtke: “Estive na estação Charlton, parada para outro trem, provavelmente. Fiz questão de tirar uma foto lá justamente por lembrar desse show, de 74”.



Ainda sobre Charlton 74: O Who queria tocar em grandes locais ao ar livre, na área de Londres. Escolheu Charlton, segundo Townshend, por causa da boa acústica do lugar e da boa visibilidade do palco. Em entrevistas, entretanto, admitiu que havia bebido além do limite e não gostava da performance. O que pode ser uma razão para um não lançamento oficial completo. Na verdade, pode haver uma ou outra coisa, um erro, aqui e ali, mas é uma das melhores apresentações da banda. Inclusive, uma das melhores jams do Who se dá neste show, com o improviso de Let´s See Action, entre Naked Eye e My Generation Blues. O show contou com algumas músicas dos anos 60, como I´m A Boy e Tatoo. John Entwistle cantou Boris The Spider. E voltaram a Young Man Blues.



Meu primeiro contato com esse show se deu com o Luiz Antônio Mello, o LAM, eterno co-fundador da Rádio Fluminense FM, grande fã e divulgador do Who no Brasil. Além de seu excelente blog sobre a banda, na época, também tinha um programa num canal a cabo, sobre rock. E mostrou, deste show, nada mais, nada menos do que Bell Boy (LP Quadrophenia), que tem participação impagável do baterista, Keith Moon, nos vocais. Me lembro até hoje de estar na casa de uma tia, quando achei esse canal e, coincidência das coincidências, ser o dia e horário do programa, e ele mostrar essa música, gravada nesse show. Claro: ter o show virou meta de vida. O Who não tem tantos shows registrados em vídeo.





Existe um site sobre os festivais de rock da Inglaterra. Cobre desde 1965 até 1990. É uma excelente fonte de informações e o dono, Dave, é um cara muito solícito. Já troquei alguns e-mails com ele, que sempre me esclareceu dúvidas. Se você se interessa por shows de festivais desses anos, este é o site. Abaixo, o link:


Sobre o Summer Of ’74, a página é esta:


Mais uma vez, muito obrigado pela leitura!

Grande abraço!

E até a próxima!


ATUALIZAÇÃO: NOTA DE FALECIMENTO

Pessoal, infelizmente, enquanto terminava de escrever este texto e o postava, o amigo Guto já repousava em seu sono eterno. Ele se foi em 30 de janeiro. Dois dias antes de completar 56 anos. Eu não sabia. Tentamos contato pelo Messenger e Whatsapp. Sem resposta. Só no dia 02 de fevereiro, que seu filho Daniel, num ato de gentileza e superação, teve coragem para ver as coisas do pai, conforme me relatou, em mensagem, enviada neste dia. Agradeço pelas orações enviadas. Tenho certeza de que todas chegaram até o Guto, num lugar melhor. Perdemos um grande fotógrafo, que entendia muito de automobilismo e amava bandas clássicas de rock, com gosto musical apurado e sempre com observações pertinentes. Perdemos os áudios de sete, oito minutos. Perdemos seus inúmeros causos. O Fluminense perdeu um torcedor apaixonado. Perdemos, perdemos, perdemos... Acima de tudo, perdemos um cara de um coração do tamanho do mundo, como bem disse Fábio Montcord, parceiro de grupos de automobilismo e também roqueiro e fotógrafo dos muito bons. E que me alertou sobre o estado de saúde do Guto.

Descanse em Paz, Guto. Muito obrigado por ter participado de nossa história e por nos ter permitido participar da sua. 🙏🙏🙏

⭐02/02/1966 - †30/01/2022

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