sábado, 22 de abril de 2023

...famous last words... – o disco

 por Luciano Teles

 

...famous last words... último trabalho com a formação clássica


Como prometido no outro post, para falar do último trabalho com Roger, temos de voltar algumas casas. Ou alguns discos.

Even In The Quietest Moments (1977) fez a banda voltar aos trilhos da composição, depois do desapontamento com Crisis? What Crisis? (1975). Meio pop, meio progressivo, tudo estava Ok. Os ares estavam diferentes, porém. Literalmente. Desde a época de Crisis?, a banda morava em Los Angeles. Isso até dificultou as gravações, iniciadas na cidade da Califórnia, mas terminadas em Londres. De novo, é Roger quem resume a situação: “Muito sol, pouco estúdio”. Em Even, porém, a banda retomou o controle, mesmo que ainda morando nos EUA, e fez um álbum mais... Supertramp, digamos. Como dito, voltou ao progressivo pop característico do grupo. Dois milhões de cópias vendidas em seis semanas e uma turnê que alcançou 600 mil fãs podem respaldar essa ideia.

Em 1978, os integrantes ingleses da banda (Bob Siebenberg é norte-americano, de Glendale, Califórnia) já tinham se habituado de vez a Los Angeles e ao modo de vida americano. Tanto, que se sentiram à vontade para falar sobre alguns hábitos do país e assuntos correlatos. Assim, o brilho do sol californiano foi traduzido num dos discos mais perfeitamente pop de que se tem notícia: Breakfast In America. Sim: o progressivo foi praticamente colocado de lado. Uma pitada aqui, outra ali, mas a leveza de composições dominou o trabalho – o que não elimina os detalhes na elaboração dos arranjos. Nem recados atravessados nas letras. Afinal, estamos falando de Supertramp. E de Roger Hodgson e Rick Davies.

 
Ideia de corte foi mantida nos selos dos LPs


Breakfast In America (1979) tem a capa com itens de cozinha imitando os prédios de Manhattan, a atriz Kate Murtagh (29 de outubro de 1920 – 10 de setembro de 2017) vestida de garçonete e posando como a estátua da Liberdade, design bem chamativo, bem-humorado, em cores claras e com fontes de letras mais descrontraídas. Mas... bem, as desavenças já se faziam mais notórias. Rick não gostava da música título do álbum – composta por Roger ainda adolescente, sonhando em ir para a América, sob o efeito das imagens dos Beatles em sua primeira passagem por lá. E, sobre as desavenças com o colega, mandou um recado, em Casual Conversations, intitulada, inicialmente, como You Never Listen Anyway. Uma indireta mais que direta. Que Roger devolveu, em Child Of Vision, que fecha o álbum.

A turnê de promoção de Breakfast rendeu um dos melhores discos ao vivo de que se tem notícia: Paris. Que, graças aos céus, em 2012, nos foi trazido também em imagens, com o lançamento, em DVD e Blu-ray, de compilação dos shows da gravação do álbum, sediados no Pavillon de Paris. As fitas foram encontradas pelo baterista, Bob Siebenberg, no celeiro de sua fazenda (Oiiii???!!!), na Califórnia. O box foi completado com dois CDs, contendo todas as músicas do set list.

Turnê em 1979, preparação e lançamento de disco ao vivo em 1980, era hora de um descanso. Assim, o processo de individualização dos integrantes, que começara após o sucesso de Even..., com cada um já formando família, tendo filhos etc, ganhou força. Todos, porém, ainda moravam em Los Angeles, relativamente próximos um dos outros.

Menos um: Roger.

Que preferiu se retirar para as montanhas. Foi para Nevada Country, a seis horas de distância de LA, ao norte da Califórnia, onde construiu sua casa e estúdio. E começou a pensar seriamente em sua carreira individual.

A distância entre Los Angeles (banda) e Nevada County (Roger)


Todos os integrantes chegaram a construir um estúdio em suas casas. Em diferentes proporções, permitiam desde gravações de fitas demo (ainda fitas, naquele tempo) até de um álbum, propriamente. Mixagem e outros refinamentos poderiam ser feitos em estúdios maiores. Se os outros três não chegaram a pensar em um disco solo, Roger Hodgson e Bob Siebenberg pensaram. E gravaram. Roger chegou a fazer certa publicidade, inclusive. A gravadora que o aconselhou a reter a promoção, por causa da turnê de ...famous last words... Ele aproveitou o tempo para rever o trabalho. Mas apenas Roger pensou em sair do Supertramp. Por Bob, ambas as carreiras eram perfeitamente conciliáveis.

Bob conta, em entrevistas publicadas em seu site pessoal e em livros, que chegou a ter o disco pronto. Mas que a gravadora o advertira de que o trabalho carecia de um verdadeiro hit. Queiramos ou não, um disco tem de vender. E nada melhor para isso do que um sucesso que pegue os ouvintes pelos... bem... é... pelos ouvidos. Então, na época dos ensaios para a turnê, ele se dividia em compor e gravar, até as sete da noite. Às oito, já estava ensaiando com o Supertramp. De qualquer forma, ele manteve seu trabalho à parte do que fazia com o grupo. Mas não pensava em deixar a banda. Enquanto Roger ansiava por partir.

Com a devida licença para o trocadilho, tão intencional quanto infame, pode-se se dizer que partir seria apenas confirmar o que todos sabiam: o grupo estava partido. As tensões que cercaram a gravação de ...famous... contrastam com algumas entrevistas de Roger. Ele esperava que o fato de cada integrante ter seu estúdio favorecesse o aparecimento de novas vertentes musicais, com todos trazendo ideias. Ainda que ele e Rick fossem os principais compositores da banda.

 
Mesmo no fim, iconografia permaneceu marcante


Mas as coisas pegaram outros caminhos. A seis horas de Los Angeles, com esposa, filha de dois anos e filho recém-nascido, ele não queria se deslocar e ficar longe de casa. Já Rick pensava o contrário. Achava que, estando a maioria em Los Angeles, as gravações deveriam ser lá, em seu estúdio caseiro. Enquanto a Terceira Guerra Mundial se desenvolvia, os três outros membros queriam apenas ensaiar e gravar. Assim, depois de uma frustrada tentativa de agenda, com Roger e Rick se deslocando, um ao estúdio do outro, ficou definido que as gravações ocorreriam em seus próprios estúdios. Cada um gravaria suas músicas e os arranjos para as composições do outro. Usando uma expressão atual, os outros três que lutassem.

E assim foi: John, Dougie e Bob acabaram se deslocando para cima e para baixo no mapa. O que, em parte, era bom, pois experimentavam novos ares. Mas sempre me pego pensando na logística necessária, em termos de equipamento etc. John e seus delicados instrumentos de sopro. Cases protegem, Ok. Dougie, seus baixos e seus amplificadores, se não tinha um em cada ponta da corda. Cases, Ok. Mas já dão trabalho. E lá vinha Bob e sua bateria – que não tinha exatamente poucas peças... Mesmo uma em cada estúdio já daria trabalho.

Aliás, ao ouvir novamente o disco, senti falta de Bob Siebenberg “não tocar bateria”. Porque, ao longo do trabalho, ele apenas marca o tempo. Achei compreensível, porque, dentro da minha limitação, não vi, nas composições, espaço para que ele trabalhasse a bateria da mesma forma como fez em Dreamer, por exemplo. Fiquei com isso na cabeça, pensando se tratar apenas de uma impressão. Qual não foi minha surpresa, quando vi, em outra entrevista publicada em seu site, o baterista confirmando que, sim, não houve espaço para um trabalho mais elaborado nas peles e pratos. O que é uma pena.


 
O DISCO

Muito se fala sobre ...famous last words... ser o último disco com a formação clássica do Supertramp, as músicas já não serem tão boas, ser um disco fraco etc etc e, por fim, mais um etc. Para não cair em lugar comum, resolvi ouvir toda a discografia do Supertramp até ali. Incluindo os dois primeiros discos – Supertramp (1970) e Indelibly Stamped (1971). Claro que Crime Of The Century (1974), Crisis? What Crisis? (1975), Even In The Quietest Moments (1977) e Breakfast in America (1979) receberam mais atenção. Fui ainda mais meticuloso ao escutar ...famous... Que, em outro trocadilho infame, poderia acabar sendo chamado de ...infamous..., tal a negatividade das críticas que li sobre a obra.

Sem analisar de forma musicalmente exata, até porque não tenho conhecimento teórico para tal tarefa, resolvi apenas comentar algumas coisas sobre as músicas. Sobre o disco, se lhe falta uma, quem sabe?, unidade, que ainda era buscada em outros álbuns, a qualidade é mantida. Sim: ouvimos e podemos falar que se trata de um disco do Supertramp. Principalmente porque a banda, com a formação clássica, era totalmente distinta, dentro do universo musical. Era o tipo de grupo cujas canções se ouvia e já se podia sentenciar: é Supertramp. Essa identidade musical, praticamente uma impressão digital “auditiva”, é para poucos.

O que eu me permitiria ousar a dizer é que, ao mesmo tempo, exatamente por ser uma obra claramente Supertramp, falta-lhe algumas marcas típicas da banda. A divisão fica clara. A falta de unidade se reflete, não tem jeito. Estão lá as músicas sobre a vida e o plano espiritual, de Roger – algumas em tom mais reflexivo, outras mais pop. Também estão lá as músicas de amor e sobre o cotidiano, de Rick. Mas, principalmente, para quem já sabia dos recados musicais entre si, as mensagens de um para outro ficaram mais do que claras. Com o perdão da piada, mas só faltaram um chamar o outro de “feio, bobo e chato” em pleno disco.

 
Foto de página do programa da turnê de 1983


Eu tinha 8 anos, quando do lançamento de Breakfast, e 11, quando ...famous... chegou às lojas. Do primeiro, me lembro da execução maciça da música título, Take The Long Way Home e, claro, de The Logical Song. Do segundo, a explosão de It´s Rainning Again e do marcante vídeo de My Kind Of Lady, no Fantástico, da TV Globo. Muito pouco para puxar da memória alguma impressão sobre as duas obras. Hoje, porém, olhando em retrospectiva, com leituras a respeito, posso entender algumas coisas que cercaram a realização de ...famous...

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que Breakfast foi o pico da carreira do Supertramp. Um pop poderoso, altamente elaborado, tanto musicalmente, quanto graficamente, conforme citado acima. Altas colocações nas paradas de singles (compactos) e vendas astronômicas (3º lugar, na Inglaterra, e 1º, nos EUA e Canadá). Uma turnê de dez meses (01 de março a 09 de dezembro de 1979), 121 shows (!!!), 52 toneladas de equipamento (a banda tinha comprado seus próprios sets de luz e som), 40 pessoas na equipe... enfim, tudo se tornou gigantesco. Mais do que eles sequer pensariam. Tanto, que a turnê mereceu três programas: um para a Europa, um para os EUA e outro para o Canadá. O país da Maple Tree, em sua história e bandeira, tinha a maior base de fãs do Supertramp, inclusive.

Gigantesco ao ponto de, segundo Martin Melhuish, autor de “The Supertramp Book” (Ominibus Press, 1986), Roger e Rick finalmente concordarem sobre uma coisa: caso a banda continuasse a fazer tantos shows, a carreira entraria em declínio, pois não teriam como se desenvolver em estúdio. O complemento a esse pensamento é mais do que interessante: Rick diz que a banda tinha quase 60 músicas não gravadas, o que lhes garantia, ao menos, alguns discos adiante. Se algumas dessas músicas, bem como quais e quando, foram utilizadas, não sei. Mas sempre me perguntei a razão do Supertramp não lançar raridades e sobras de estúdio. Isso só atiçou, mais ainda, minha curiosidade.

O fato é que, após o sucesso estrondoso de Breakfast, veio o estrondoso sucesso de Paris, o disco ao vivo, gravado durante sua turnê, no Pavillon, na capital francesa. De novo, um disco deles era campeão de vendas nos EUA, Canadá e Europa, além do resto do mundo todo. Claro que, depois disso tudo, a pergunta que não iria querer calar era: e agora, José? Como superar o insuperável?

 
Anúncio de show da banda


É aí que entra um fator que achei por demais curioso: no planejamento da concepção e Breakfast, Rick e Roger tinham acordado que, além de terem vivido o suficiente em Los Angeles, para falar sobre a cidade e um pouco sobre o modo de vida americano, o trabalho poderia trazer letras que refletissem a relação entre... eles! Ou seja, a coisa já tinha chegado a tal ponto, que eles próprios já tinham jogado os pratos para o alto e reconhecido que a convivência difícil entre os dois já não era segredo para ninguém. Tal fato, além de relatado em livros, é citado por Hodgson e Bob Siebenberg, em entrevistas publicadas em seus sites. Além disso, Roger tinha captado para si um pouco mais da liderança do grupo. O que se reflete, logicamente, na forte característica pop do disco. Pouco do blues e do progressivo, tão ao gosto de Rick, entrou no álbum.

Depois disso tudo, Rick Davies esperava que o disco a ser lançado em 1982 tivesse um pouco mais de progressivo. Já tinha até preparado uma música que, talvez, pudesse puxar o disco. Com cerca de 16 minutos de duração, e letra que refletia a Guerra Fria e outros problemas mundiais daquele momento, Brother Where You Bound seria a linha mestra do trabalho.

Seria.

Do verbo “não foi”.

Acabou ficando para o disco a seguir, homônimo. E sua gravação contou até com David Gilmour (Pink Floyd). Com a rejeição a sua nova canção, Rick meio que trabalhou já com o freio de mão puxado, por assim dizer. Então, de um lado, tivemos um dos líderes, Roger, querendo sair da banda, mas mandando em quase tudo. Do outro lado do ringue, Rick, sem ânimo para nada.

Anúncio do disco Crime Of The Century, num outdoor

 
E, sim, sente-se esse desânimo em algumas das faixas de ...famous last words... Até o título reflete um pouco o estado de indagação da fase do grupo, conforme atesta John Helliwell. Todo esse ambiente chegou à parte gráfica do disco, a cargo de Mike Doud. Na capa, um equilibrista em meio ao vazio, olha para trás assustado, ante a ameaça de uma mão portanto uma tesoura, em franca posição de corte de sua frágil base de caminhada. Impossível não evocar a capa de Crime Of The Century, em que, em meio ao espaço, um par de mãos agarram uma grade. A sensação de busca de significado, em meio ao nada, é bem similar.

As cores em degradê, do preto ao vermelho, passando pelo roxo, violeta, amarelo e laranja, também foram a escolha perfeita. Reforça a sensação de movimento. De ausência de luz, na parte superior, à base acalorada, com a multidão na expectativa do que pode acontecer. No encarte, um lado traz os membros da banda como equilibristas. Cada um em uma direção, na maioria das vezes, como que procurando seu próprio caminho. Todos com vestimentas diferentes. Rick é o único a olhar para a câmera, em uma das fotos. No outro lado, as letras. Desta vez, ainda que assinadas pela dupla, para marcar quem escreveu o quê, Roger teve suas cinco composições em letras brancas. Rick, teve suas quatro impressas em amarelo.

 
Letras em cores diferentes. Branco para Roger. Amarelo para De Rick


AS FAIXAS

Chegando aos “finalmentes”, vamos às músicas.

Apesar de ser um disco supostamente triste, ele começa com a bela e elaborada Crazy, de Roger Hodgson. E o recado já é direto. Começa dizendo “aqui está uma pequena canção, para te fazer sentir melhor”, passa por versos do tipo “tudo bem, ganhar ou perder”, mas chega ao ponto da dificuldade daquele ponto, em que todos sabem do que ocorre, mas nada é feito. E chega à pergunta: “Oh, brother, why´s it gotta be so crazy?”, no refrão. Ao vivo, ela ganha ainda mais força. Fizeram muito bem em escolher Crazy para começarem os shows da turnê.

Em Put On Your Old Brown Shoes, Rick não deixa por menos e manda, de cara: “Put on your old brown shoes, right on your feet. Time to move on, get away”. Não tem segunda estrofe. Já mandou um refrão: “You and me, we´re helpless, can´t you see... got to move on, till the madness around is gone”. Ao longo da letra, nada de tirar o pé: “you know a friend is a friend, you don´t leave him in trouble, he got a little drunk, so now he´s seeing double... but you have to lend a hand, ´cause you know he´s on the level” e segue: “get your blue jeans right on, babe”. Só faltou um “Tchau. Valeu. Abraço”. Apesar dos recados, Rick faz aqui uma coisa da qual eu realmente gosto e na qual é mestre: versos com longas frases, que entrecortam o ritmo e o andamento. Nesse quesito, ele é realmente brilhante. Vale notar que esta música e C’est Le Bon contaram com as irmãs Ann e Nancy Wilson (Heart) nos vocais de apoio.

Ainda que Roger afirme que It´s Rainning Again foi composta em sua adolescência, num dia de chuva e tal, acho sintomático, no mínimo, que ele a tenha gravado para esse disco. Sim, Bob Siebenberg atesta que já a tinha ouvido antes. Mas, por que, então, ela não entrou em Breakfast? Por que entrou logo no último disco dele com a banda? “Coisas da música” é a melhor resposta. Sobre a letra, bem... é aquela coisa: gostei muito dela, quando lançada (tinha 11 anos, lembre-se), fica muito bem ao vivo, levanta a galera e tal..., mas... não me empolga tanto, hoje em dia.

O outro lado do encarte: banda se equilibra em várias direções

Abusadamente, apesar da boa mensagem em algumas frases (“You're old enough some people say To read the signs and walk away It's only time that heals the pain And makes the sun come out again”) ou (“C'mon you little fighter No need to get uptighter C'mon you little fighter And get back up again Oh, get back up again Oh, fill your heart again”), digo que falta algo mais profundo. E que me perdoem pela franqueza. Só escrevo isso porque sabemos da capacidade de Roger, como compositor e letrista. Embora saiba que foi composta na adolescência e que a época da gravação não era das melhores, para a banda e ele. E que, apesar de tudo, ser simples é bem Roger.

E vem Bonnie. A belíssima Bonnie. Um piano com notas lentamente sincopadas, que permanecem por boa parte da música, precede a entrada forte dos versos “Your silver nights and golden days, I try to reach you in a million ways...”. Embora claramente uma declaração de amor, não consigo deixar de também ver um recado para Roger. Ainda que inconsciente. Há partes da letra que não são um primor, realmente. Mas é uma bela composição. E acho o arranjo sensacional, com mudanças de andamento e um forte retorno à melodia e harmonia principais. Que, se parecem comuns para muitos, para mim, é uma bela combinação, em Bonnie. E, nesse entremeio, a guitarra de Roger. Uma das mais bem tocadas por ele, numa composição de Rick. Assim como o solo deste, na escaleta, em It´s Rainning Again, a guitarra de Roger emprestou um toque de classe que era exatamente o necessário à música.

Know Who You Are traz Roger sendo Roger. Música calma, com um de seus dedilhados no violão, realmente diferenciados. Não só nos acordes que usa, mas na forma como usa a mão direita. Deixa as notas soarem longas. Há um fade out e a música retorna, brevemente. Mas o suficiente para vermos que era necessário. Aquele tipo de arranjo que pode não parecer muito, mas que acrescenta um algo inexplicável à canção. Nas letras, o incentivo para que o ouvinte se conheça melhor, se sinta, se deixe levar pelo coração e mostre tudo isso a todos. Recado a Rick? Pode ser. Mas creio ser mais uma manifestação sincera das crenças de Roger, até para si mesmo.

Às vezes, pedimos, para o outro, algo que queremos para nós.

My Kind Of Lady. Como resistir à declaração de amor, com marcação tão anos 50, ao fraseado rápido de Rick, ao falsete do refrão e, por fim, ao saxofone rasgado de John Helliwell? Como cereja de bolo, tudo isso veio embalado num vídeo simplesmente maravilhoso. Sempre em preto e branco, num dos cenários, com discos espalhados, Rick à frente, num microfone, com os outros como backing vocals, fazendo gestos, marcando a música. Em outro cenário, ele ao piano e os outros com seus instrumentos, também perfazendo danças e gestos. Tudo tão bem ensaiado quanto levemente engraçado.

Agora, os detalhes: apesar de encenado por John Helliwell, Dougie Thompson e Bob Siebenberg, o tal falsete, que acompanha algumas frases, foi cantado unicamente por Rick Davies. Sim. Apesar de ser conhecido como “a voz grave do Supertramp”, ele é um vocalista tão poderoso quanto versátil. Pode não ter um grande alcance (mas faz um final estupendo de From Now On, ao vivo), porém, faz um belo falsete. Não sei se deu para notar, mas, nos backing vocals, faltou Roger Hodgson. Que, se não está ali, aparece em fotos, trajado em terno, igual aos demais. Só não participa dessa parte do vídeo. Por quê? Não sei. Mas encena normalmente a outra parte, com a banda, já com outros trajes, sem o terno. E, conforme mostram as imagens, todos sem barba e com muito gel no cabelo, com topete e tudo. É um dos vídeos que vi, ainda criança, e que mais guardo na mente. Pela música e pelas cenas.

Roger se vestiu de vocalista, mas não atuou como tal, no vídeo de My Kind Of Lady


C’est Le Bon traz os característicos questionamentos de Roger Hodgson sobre a vida, o que é ser alguém e o que o mundo tenta fazer conosco. Meio que uma continuação de The Logical Song, só que bem mais calma e com um apelo para que os amantes voltem para o jardim, que precisa de cuidados. Um bom arranjo, com um violão mais batido, ao invés de apenas dedilhado. A beleza da letra é clara. Mas eu enxergo um cansaço. É boa. Não é ruim. Compositores do nível de Rick e Roger têm de se esforçar muito, para fazerem algo ruim. Mas a música reflete bem o clima que rondava os estúdios, naquela época: havia boas coisas a serem ditas e cantadas. No entanto, parece que o desgaste impedia o perfeito funcionamento de das peças de toda aquela engrenagem. No final, algo como um resignado recado: “Tudo bem, navegando e navegando, sem parar...”

Em Waiting So Long, com uma bela parte de sopro de John, na introdução, Rick volta à carga: “Did you get all you want? Did you see the whole show? So where´s the fun? That we used to know”? Mais à frente, em meio a mais perguntas e constatações (“nothing new, it´s just the same old thing, you got me singing those old blues again”), a sentença: “the blindness goes on”, verso cantado repetidamente. Após uma breve execução da instrumentação da introdução, Roger entra com um solo tão inesperadamente pesado, quanto pungente, que costumo aumentar o volume, para ouvir melhor. Apesar de curto, tem as costumeiras variações que Roger costuma fazer, os “diálogos”, como costumo dizer, sem escalas pré-fabricadas, recurso tão utilizado por muitos. E tem um fim. Não termina em fade out, o que acrescenta drama à letra de Rick. Ao vivo, a música ganha ainda mais força, com Roger prolongando o solo. E chega a expressar fisicamente, tudo o que sente no momento, levantando a guitarra e se balançando de um lado a outro.

E chegamos a Don´t Leave Me Now. Mais uma vez, uma letra que pode falar de abandono, amoroso, talvez, mas que, olhando a situação, bem parece um apelo de Roger a Rick. Na letra, o pedido do título é repetidamente cantado, acompanhado de situações de fragilidade, em que o autor se colocava, hipotética e comparativamente, no momento. Não tem refrão. É dura. Difícil. Pode parecer possuir clichês, nessas condições propostas. Mas, ainda assim, mostra um indubitável grito de socorro.

Roger sabia que a jornada a seguir seria difícil. Tanto para ele, quanto para a banda. Para o grupo, cabia a missão de se reinventar, ainda que com a maior parte dos integrantes – e de seu líder-fundador – presente. Mas sairia de cena a leveza que Roger trazia. A este, por seu lado, caberia mostrar ao público do Supertramp que poderia sobreviver fora do Supertramp, ainda que não contasse com o som básico que Rick representava. Vale dizer que ambas as partes tiveram algum sucesso, mas sobreviveram sempre com maior base no repertório de seu legado com o Supertramp.

Voltando à faixa, que contou com a cantora e atriz canadense Claire Diament, nos belos vocais de apoio, seria Don´t Leave Me Now um último grito de conciliação, em meio ao caos? Não sei. Só penso ser bem sintomático que ela, a última canção do último disco da formação clássica do Supertramp, termine meio que da mesma forma como finaliza Crime Of The Century, o primeiro álbum desses integrantes juntos, com a composição homônima ao título do trabalho: a música em fade out, sempre pontuada pela bateria, até sumir de vez. Em meio ao vazio que o Supertramp clássico desfeito deixou na música. Feito as capas desses dois discos.

Quarta capa do programa da turnê, com os discos até 1983

 













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